Youtubers mirins

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Um smartphone na mão e criatividade na cabeça: para gravar um vídeo e postar no Youtube, não é preciso muito. Em uma época em que as crianças têm fácil acesso à internet e sem se contentar somente com o que a televisão oferece, cada vez mais elas estão se tornando produtoras de conteúdo.

 

A pessoa que se dedica a gravar vídeos para a plataforma online recebe o nome de “youtuber”. Esta nova profissão tem transformado muitos anônimos em verdadeiras celebridades. Porém, o que tem chamado a atenção é que a idade desse pessoal é cada vez menor, surgindo os youtubers mirins, crianças que, inspiradas nos casos famosos, se sentem à vontade em frente à câmera para dar dicas de brincadeiras, ideias de desafios, tutoriais de maquiagem, relatos de viagens e muito mais; somando milhões de inscritos e visualizações em seus canais.

Novo jogador de futebol

Há alguns anos, era comum escutar de uma criança que quando crescesse ela queria ser jogador de futebol, no caso dos meninos, ou modelo, no caso das meninas. Atraídos pela fama, elas enxergavam nos grandes ídolos a chance de se destacar. Seria, então, o youtuber, a nova profissão dos sonhos desta geração? “Qualquer um pode se tornar um youtuber, basta ter um conteúdo bacana e conquistar uma audiência. A diferença de querer ser modelo ou jogador de futebol é justamente essa, a oportunidade está aberta para qualquer um, independentemente da idade ou do padrão de beleza”, explica a psicopedagoga Tânia Leão Tagliari, coordenadora do Colégio Marista Arquidiocesano, de São Paulo.

A psicopedagoga e psicanalista infantil Monica Pessanha destaca que como as redes sociais são algo bem recente, ainda não é possível mensurar o que realmente vai vingar como fonte de renda. No entanto, é fato que os youtubers estão ganhando dinheiro, gerando conteúdo e ajudando outras crianças a se desenvolverem. “Esse novo sonho pode ser comparado ao de ser cantora, atriz e jogador de futebol, mas há uma diferença e, por isso talvez, essas crianças fazem tanto sucesso: os youtubers mirins são mais próximos da realidade das crianças. É como se elas dissessem: somos como vocês e, com seu próprio celular, você pode conseguir o que conquistamos. Isso traz para o sonho simplicidade e uma realidade concreta”, afirma a especialista.

De olho no consumismo

Se por um lado é positivo os youtubers mirins falarem a mesma língua de seus espectadores, por outro, essa familiaridade pode ser bem negativa. “Os vídeos têm um impacto muito forte, pois a criança vê a outra criança como uma amiga, reconhece que está falando com ela. Dependendo da idade, ela ainda não diferencia o que é meio, mensagem e publicidade”, afirma Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana. A ONG trabalha em busca da garantia de condições para a vivência plena da infância. Entre seus projetos está o “Criança e Consumo”, iniciativa que luta para minimizar o impacto do consumo na infância. Ultimamente, o foco do projeto tem se voltado para a internet devido à grande aderência do público infantil.

O próprio Youtube declara que a plataforma não é destinada a este público (aliás, para criar uma conta é preciso ter mais de 18 anos) e que caberia aos pais alertar seus filhos. Mas a realidade não é bem essa, já que cada vez mais crianças e jovens criam canais próprios e a empresa não se opõe. O site é um veículo de comunicação, logo, existe a atração por parte dos anunciantes em atingir seu público.

Muitos dos youtubers mirins falam sobre brinquedos e games em seus vídeos – a maioria das vezes, por serem presentes das marcas. “As crianças consomem por reconhecer naquele youtuber um ídolo, um amigo. É uma maneira de influência que as empresas descobriram para ter mais proximidade com o consumidor, colocando diretamente seu produto, sem qualquer tipo de filtro ou controle”, explica a advogada.

Imagens e diálogo são compreensíveis mesmo por crianças pequenas, que sequer foram alfabetizadas. O bombardeio de publicidade pode gerar um estresse familiar, pois a criança começa a pedir coisas que os pais nem sabem da onde ela conhece. O código do consumidor, inclusive, traz a resolução 163 que considera abusiva a publicidade e comunicação mercadológica dirigida à criança (consideradas com até 12 anos de idade).

Veja as dicas do Instituto Alana para evitar o incentivo ao consumismo na internet:

1 - Saber o que as crianças estão assistindo. Estar presente no momento de assistir os vídeos é fundamental para orientar.

2 - Os meios de acesso (smartphone, tablet, computador) devem estar em um lugar que os pais possam ver. “Evite que a criança assista sozinha, pois no Youtube um vídeo recomenda outros, como de anúncios”, conta Ekaterine.

3 – Controlar o tempo dedicado aos vídeos. Seja gravando ou assistindo, para evitar a superexposição das crianças desde cedo.

Qualquer pessoa pode denunciar vídeos que acredite haver publicidade abusiva. Basta entrar em contato com órgãos públicos, como o Ministério Público, o Procon e a Defensoria Pública. O projeto Criança e Consumo também recebe as denúncias e as analisa para tomar as providências cabíveis.

Não deve ser um trabalho

Apesar de alguns jovens e adultos estarem encarando a tarefa como uma profissão, no caso das crianças ela não deve passar de uma diversão. A advogada Ekaterine explica que, no meio artístico, crianças podem trabalhar, porém, com a supervisão de um juiz. Contudo, no Youtube não existe essa regulamentação. Gravar alguns vídeos não significa que a criança está sendo explorada, mas há casos de meninos e meninas que gravam todos os dias e participam de eventos e viagens, gerando um esgotamento. “Legislação há, o estatuto da criança e do adolescente (ECA) protege os direitos das crianças. Porém, esses canais são uma forma de burlar a lei. A internet não pode ser vista como uma terra de ninguém, existem regras que devem ser seguidas”, ressalta a especialista.

Sem abandonar os estudos

Se seu filho ou filha quer muito ser youtuber, tudo bem apoiar, mas é preciso haver participação. “O primeiro passo é se interessar pelo sonho da criança, fazer perguntas sobre por que ser um youtuber seria importante para ela”, afirma Mônica. A psicopedagoga também ressalta a importância de conciliar a atividade com as demais tarefas dos pequenos, como os estudos: “uma ideia é montar um calendário relacionando horários de lazer, atividade física, estudo e gravação e edição de vídeos. Também vale conversar com os professores para que, a qualquer sinal de queda no rendimento escolar, os pais sejam avisados”.

Se ela gosta tanto de vídeos e internet, é importante relacionar isso com a educação, como afirma a psicóloga Roseli Goffman: “há possibilidade do uso da tecnologia de forma a incentivar os estudos, basta que a motivação seja cultivada pela família e pela escola”.

Além disso, conferir os vídeos antes de irem para a internet é fundamental para que haja um controle nos assuntos tratados, bem como garantir a segurança (informações pessoais, como endereço e rotina da família, nunca devem ser compartilhadas). Uma dica é, a princípio, disponibilizar o canal somente para pessoas conhecidas antes de tornar público.

Cifras bem reais

A expansão da internet nos lares (e smartphones) brasileiros colaborou para que a febre dos youtubers tomasse proporções gigantescas. Canais com muitos inscritos batem facilmente milhares de visualizações em poucos minutos. Tamanha audiência acaba sendo rentável, já que é possível ganhar dinheiro por meio do número de “telespectadores” dos vídeos e anúncios de publicidade. Além disso, algumas empresas presenteiam os youtubers para que possam falar sobre seus produtos nos vídeos.

O que era apenas virtual acabou se tornando bastante real no mundo offline. Muitos youtubers já lançaram livros e cobram caro para fazer um vídeo para uma marca ou participar de eventos e peças publicitárias.

Palavra de quem faz

“Muitos youtubers famosos me inspiraram a fazer vídeos. No começo, nem eram tão bons, mas com o passar do tempo fui melhorando. Meu sonho é que me reconheçam nas ruas e admirem o meu trabalho. O que eu mais gosto em ser um youtuber é divertir as crianças e adultos. Fazer os vídeos com os amigos é mais divertido ainda. Eu divido o meu tempo para os vídeos, e claro, para o estudo e os esportes. No tempo livre, gravo os vídeos”.

Rodrigo Cunha, 11 anos. Canal Coisa de criança.

“Quando o Rodrigo começou o canal dele o que mais me chamou a atenção foi a desenvoltura que ele tinha em frente à câmera. Surpreendentemente ele começou a fazer vídeos muito legais. Embora tenha se tornado mais popular na escola, o canal dele não estava crescendo muito. Foi aí que eu (pois como sempre digo: não basta ser mãe, tem que participar) entrei com a proposta de ajudá-lo fazendo alguns vídeos sobre neurociências, pois sou neurocientista. Como ele é um ótimo aluno e também um excelente jogador de tênis, estas atividades vêm sempre em primeiro lugar. Eu e meu marido dizemos que o desafio é justamente equilibrar tudo, por isso muitas vezes, em semanas de provas ou campeonatos esportivos, o canal fica sem receber vídeos novos. A ideia é que ele seja feliz fazendo o que gosta. Se o sucesso se tornar realidade, virá como recompensa natural”.

Rafaela Cunha, mãe do Rodrigo

“Claro que se a fama viesse seria ótimo, mas eu faço os vídeos por diversão.  Na maioria do meu tempo, estou estudando, e no tempo livre, faço esportes e gravo vídeos”.

Eduardo Gonçalves, 11 anos.

“Colaboro comprando os equipamentos necessários para as filmagens, arrumei um antigo quarto e transformei em um estúdio onde ele faz as gravações e assisto com ele antes de serem postados para me certificar de que não há conteúdo impróprio. Também já colaborei com algumas sugestões de temas. A prioridade número um são os estudos, depois o esporte e, então, as gravações. Os vídeos são encarados como mais uma diversão”.

Luísa Alcalde, mãe do Eduardo.

 

Nossas fontes

Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana

Monica Pessanha, psicopedagoga e psicanalista

Roseli Goffman, psicóloga

Tânia Leão Tagliari, psicopedagoga

Crédito fotos: Arquivo pessoal

 

FONTE:

Artigo desenvolvido pelo projeto NA MOCHILA, que em parceria com as escolas oferece uma revista por bimestre aos pais de alunos do ensino Infantil e Fundamental I.